PROJETO ESCREVIVENDO COM INTERFACE PARA BLOGAGEM - OFICINA DE ESCRITA E LEITURA PARA O COTIDIANO
A proposta da oficina é incentivar jovens e adultos a produzir textos e a refletir sobre sua maneira de escrever. Neste sentido, a oficina desmistificará o ato da escrita, transformando-a num processo centrado na reflexão sobre o assunto, sobre a forma textual adotada, sobre o papel do leitor e sobre o encadeamento das idéias. Aprendendo a escrever melhor e a ler mais atentamente, é reforçada nos participantes a sua cidadania e sua auto-estima, permitindo que atuem mais ativamente na sociedade.
Ao lado, podem ser lidos alguns dos textos resultantes do módulo 'resenhas e ensaios', realizado entre março e abril de 2008, na Casa das Rosas- Espaço Haroldo deCampos de Literatura.
Estou desenvolvendo um projeto de pesquisa e pretendo ,neste trabalho experimental com o blog - ferramenta de novas tecnologias de informação e comunicação- em parceria com a comunidade CIAM(http://www.comunidadeciam.blogspot.com/ ) ,de Marilia,verificar se será efetivo o uso da blogagem tanto entre mediador e redatores participantes da oficina de escrita e leitura Escrevivendo quanto entre possíveis escreviventes que não possam estar presentes fisicamente conosco. Bem-vindos! Karen Kipnis
Numa manhã de sábado...
Sobre Resenhas e Ensaios
Escrevivendo Resenhas teria sido um módulo fácil caso tivesse adotado uma quantidade razoável de regras e dicas sobre como fazer uma resenha.Ou resumo crítico: resume-se o texto e ao final soma-se uma opinião pessoal . Mas esta será sempre a contra-mão de nosso exercício na oficina. Iniciamos com uma conversa sobre o papel do leitor na história da literatura, apoiando nos em Jauss (Estética da Recepção) e seguimos para a observação de diferentes níveis de leitura. A partir da leitura de três contos escolhidos aleatoriamente, mas de autores (ou o conto em questão) considerados obscuros , desconhecidos inicialmente pelos participantes da oficina(retirei o nome do autor propositadamente) , foram inauguradas conferências para discussões sobre tema dos contos, problemas elaborados pelos autores,posição do autor frente aos problemas, idéias centrais e secundárias em cada texto , e uma opinião pessoal sobre qual texto seria o seu favorito e o porquê. Num segundo momento,depois de revelados seus autores, e devido à influência de seus nomes, a conversa mudou um pouco de rumo, e a tradição na literatura ,ou não, de seus nomes, fizeram as opiniões balançarem um pouco.Os contos em questão foram: Meus queridos Cavalheiros(Sonia Manski), As linhas da mão (Julio Cortázar),e Por enquanto(Clarice Lispector). Isso foi a construção de um texto oral e coletivo para, a partir daí ,cada um escolher um ou mais contos e fazer seu comentário crítico(sem orientação acadêmica ou jornalística). Forma e conteúdo dos trabalhos apresentados foram analisados . Observou-se que , quando bem escrito(clareza, coerência, coesão,exemplos e citações pertinentes) mesmo utilizando-se de argumentos diversos e opiniões contrárias, o leitor, em nosso caso o ouvinte, tendia a concordar com o autor da crítica. Outra atividade motivadora: uma lista de livros mais queridos, daqueles que estão na prateleira mais próxima,ou dos quais jamais nos esquecemos, foi pedida e apresentada pelos participantes.Um texto falando sobre o encontro com algum ou vários deles foi sugerido para a escrita de um ensaio. O ato de resenhar convertido em exercício de reflexão , num espaço móvel aberto à subjetividade e a criatividade. Geralmente ,o Escrevivendo trabalha com duplas de participantes lendo e comentando seus trabalhos . Como nem sempre o tempo do escritor e o tempo(semanal) da oficina coincidem, o trabalho em duplas não foi possível. Creio, entretanto, que após a postagem dos textos produzidos, eles possam ser comentados no espaço para este fim, em ‘comentários’. No momento,muita polêmica está sendo levantada sobre o ensaio de João Alexandre Barbosa ( a quem dedico este módulo) Dentro da Academia, Fora da Literatura ,que consta em seu livro Leituras Desarquivadas (2007),originalmente publicada como resenha do livro Onze Minutos,de Paulo Coelho, na revista Cult n. 70, 2003.
Como podemos classificar Literatura?
Em nosso sexto encontro(19/04), contamos com a presença do amigo, professor, poeta e crítico Frederico Barbosa, atual diretor da Casa das Rosas. O tema de sua palestra foi - O que é ser crítico? Formas de abordagens de uma obra de arte(Literatura, teatro, cinema e outros).
Que crítica?
Carlos Fernando & Frederico Barbosa
“O homem que realmente sabe pode revelar tudo o que há a transmitir em pouquíssimas palavras.” Ezra Pound
Nenhum traço parece marcar a fisionomia da vida cultural brasileira tão insistentemente quanto o personalismo. Discute-se, na política, “personalidade” e não ideologia, na arte, “motivações interiores” e não resultados: “ideologismo” e não literatura, “literatice” e não artes plásticas, operações plásticas e não música. Comportamento, ego e “fofoca esclarecida” imperam absolutos. Na eterna disputa entre artistas e críticos não se dá outra coisa. Generaliza-se a convicção de que toda apreciação de uma obra é guiada por motivos escusos, pessoais e mesquinhos. O crítico seria necessariamente um artista frustrado buscando notoriedade e realização parasitária. Por outro lado, os artistas são vistos como crianças voláteis, cheias de melindre, romanticamente iluminados, irracionais e irresponsáveis. Por mais caricatural que a visão possa parecer, é nesses termos que se têm exercido discussões sobre a validade da crítica. No campo da batalha pessoal, os tiros voam e não atingem qualquer alvo. Não parece haver resistência alguma à noção de que a crítica só tem razão de ser se proporcionar um juízo de valor sobre a conveniência ou relevância social da “postura” pessoal do artista, ou ainda sobre os efeitos de sua obra no comportamento e nos costumes. Artistas e público esperam do crítico endosso e encorajamento irrestritos ou veneno e escárnio. Permite-se que vista a toga de juiz do bem e do mal e aguarda-se a sentença sobre a validade do “conteúdo” da obra e o merecimento do artista. O que está em jogo é sempre a recompensa pessoal, o aval paternalista ao artista e, quem sabe, à sua obra, travestida de “mensagem”. A crítica dita positiva nunca é considerada frustrante mesmo que passe ao largo da análise. O elogio é satisfatório mesmo que nada entenda dos mecanismos geradores da obra, mesmo que apenas a enquadre e classifique segundo um padrão qualquer. No Brasil não há crítica de arte, só de artistas. Não há análise, desmontagem e apreciação reveladora de obras, só “sacação” de significados muitas vezes envolta na enganosa roupagem do exibicionismo enciclopédico, dos dados biográficos. A breve história do indivíduo é sempre posta acima da longa história da linguagem. Os soluços, acima das soluções. O chamado jornalismo cultural se resume a bulas ávidas de interpretação reducionista, conteudismo, “explicação”. Costuma-se dizer que o jornal não é lugar para discussões estéticas “mais elaboradas”, que nele não cabe apreciar obras de arte naquilo que têm de especificamente artístico, naquilo que distingue as opções criativas, na sua estrutura sintática. Esse seria um assunto por demais árido para o público geral. Algo como dizer que não cabe aos jornalistas esportivos analisar a tática de jogo de um time de futebol e seu desempenho numa partida, mas apenas diagnosticar a postura de cada jogador isolado, comentar seu carisma, sua “raça” , sua conduta moral. O jornalista teria, assim, sua incapacidade de avaliar estratégias escamoteada sob a alegação de poupar o público da aridez suposta. É curioso notar que, no que se refere à “interpretação” semântica, “sociológica” ou “filosófica”, não há limites para o que é considerado cabível e interessante num jornal. Ou mesmo exeqüível. O cotidiano das redações, dos horários apertados, dos fechamentos de pauta não são desculpa para privilegiar enfoques deste tipo como sendo mais “viáveis” em termos práticos. Muitas vezes chegam a ser rebuscadíssimos. O trabalho maior que um crítico deve ter, para exercer o seu ofício, antecede suas tarefas diárias e deve conviver com elas. Chama-se estudo. Abrangente, que seja, mas sempre balizado pelo objetivo final do compromisso com o leitor e o artista, que devem esperar dele o comentário da maneira, do engenho, da criação, do mecanismo, e não aprovação e promoção. A humildade implícita no ato de instrumentalizar-se corretamente colocaria em proporções mais “saudáveis” a tendência crescente ao texto narcisista, pseudoliterário, crônica-trampolim, no qual a janela torna-se espelho e o comentarista, assunto. Do modo como tem ocorrido, o jornalismo cultural substitui a tarefa crítica da descoberta pela tentação frívola da invenção auto-indulgente, a demonstração pela persuasão. São inúmeros, é claro, os exemplos de críticos-artistas e não é necessário levantar a questão óbvia de que a boa crítica pode perfeitamente criar vida própria como obra extrafuncional, como queria Herbert Read ao idealizá-la inspirada pelos sussurros de uma “décima Musa”. Esta qualidade, no entanto, em nenhum caso bem sucedido obliterou ou tentou substituir sua função primordial de Crítica. Uma boa crítica pode até ser arte, assim como um artista pode até ser um bom crítico, mas nem um nem outro estão, a princípio, obrigados a cumprir tais metas. Se o artista é incapaz de falar sobre sua obra mas a executa de modo satisfatório, seu trabalho está feito. A escolha crítica que deu forma a sua obra já está feita. É papel de outros perceber sua maior ou menor importância como proposição de recursos de montagem e articulação, mostrando como e porque. É função do crítico localizar a obra no universo das idéias, detectar influências, filiações, estilo; apontar-lhe o que apresentar de redundância e inovação. Colocar-se na pele do autor e desvendar seu método. Só então poderá propor uma avaliação subsidiada e consciente, depois de fazer o teor da obra falar por si mesmo, mostrar a si mesmo. A arte do artista deve educar a crítica do crítico. A arte do crítico deve educar a crítica do artista. Cabe ao crítico revelar ao artista seu próprio modo de trabalho. Como disse Paul Valéry, “o objetivo da obra é surpreender o autor.” O espectador, enquanto isso, aprende, amadurece afinal. Minada por seu desvirtuamento e pelo descrédito, estará a crítica de arte fadada a desaparecer dos grandes jornais, limitando-se a aguardar o surgimento de revistas ditas “especializadas”, destinadas a um suposto público de “experts”? A devastação a que está submetida a sociedade brasileira, “progressivamente” privada das condições mais básicas impede que se espere do público o rompimento do círculo vicioso da miséria cultural. A demanda pela qualidade da arte e pelo acesso à informação nascerá da exposição a discussões relevantes. Extra-pessoais. Extra-mercadológicas. O grande público deve e pode perfeitamente tornar-se espectador ativo da busca por fatos culturais, se lhe for permitido enxergar as entranhas dos processos de produção artística. Se atraído para tal por uma crítica lúcida, translúcida, precisa, clara, criteriosa, demonstrativa. Pode-se ensinar qualquer coisa a qualquer pessoa. Contanto que se conheçam e se possam expor os princípios e as formas, que se saiba, realmente, aquilo de que se fala. E se queira abrir a discussão.
Participantes da oficina março/abril 2008
Bruna Nehring,Christina Bassaretto,Edu C.Correa,Eneida Meira, Fabíola Gomes da Silva,Giseli Gobbo,Lilian Albano,Maria de Fátima Medeiros,Marlene Kasbar,Neuza Guerreiro de Carvalho,Nilson Minantti,Paulo Sancer,Renata Yamada,Roberto Dupre,Sandra Schamas,Vanessa Vivo
Como comecei a escrever Aí por volta de 1910 não havia rádio nem televisão, e o cinema chegava ao interior do Brasil uma vez por semana, aos domingos. As notícias do mundo vinham três dias depois de publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do correio aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. Não dava para ler o papel transformado em mingau. Papai era assinante da Gazeta de Notícias, e antes de aprender a ler eu ficava fascinado pelas gravuras coloridas do suplemento de domingo. Tentava decifrar o mistério das letras em redor das figuras, e mamãe me ajudava nisso. Quando fui para a escola pública, já tinha noção vaga de um universo de palavras que precisava conquistar.Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exercícios de redação. Cada um de nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expressão contido nos sinais reunidos em palavras.Daí por diante as experiências foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a literatura. Alguns elogios da professora me animavam a continuar. Ninguém falava em conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estava germinando. Meu irmão, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a viver entre eles. Depois, já rapaz, tive a sorte de conhecer outros rapazes que também gostavam de ler e escrever.Então, começou uma fase muito boa de trocas de experiências e impressões. Na mesa do café-sentado (pois tomava-se café sentado nos bares, e podia-se conversar horas e horas sem incomodar ou ser incomodado) eu tirava do bolso o que escrevera durante o dia, e meus colegas criticavam. Eles também sacavam seus escritos, e eu tomava parte nos comentários. Tudo com naturalidade e franqueza. Aprendi muito com os amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que não desfrutam desse tipo de amizade crítica. (ANDRADE, Carlos Drummond. In Para gostar de ler – vol. V, crônicas. SP: Ática, 1996, pp. 06-07)